Diante de uma influência multifatorial tão inegável quanto intrincada entre configuração genética, pressões do ambiente, e estado psicológico, o desenvolvimento de novos fármacos preponderantemente aposta no controle do estado de espírito do paciente pela manipulação das concentrações de três neurotransmissores: a serotonina (ligada a compulsões e obsessões), a norepinefrina (ansiedade e atenção) e a dopamina (atenção, motivação, prazer). O efeito psicotrópico de tal artifício costuma induzir uma sensação tão agradável de distanciamento dos tormentos mundanos, que a procura crescente por tais drogas é compreensível e escusável.
Mas para nosso desencanto, as consequências psicológicas relacionadas a cada neurotransmissor não se restringem ao aumento ou diminuição de cada um desses - não, as experiências prazerosas não são um mero pico de dopamina, por exemplo - e o que factualmente temos são modelos que apontam um grande mecanismo ainda compreendido de forma incipiente, no qual essas substâncias desempenham seu papel na modulação do humor. O mais básico dos desafios ainda não vencidos é entender o que leva à concentração anômala desses mensageiros sinápticos, ou seja, o que faz com que sua distribuição altere-se diante de notícias tristes? Nesse limbo começam os casos de divórcio com os anti-depressivos.
Os pacientes que buscam psicanálise são em grande parte uma mostra de um grupo que não teve um relacionamento feliz com as drogas psiquiátricas, seja porque não lhes agrada a sensação de dependência e a artificialidade de seus sentimentos, seja porque os pensamentos depressivos seguem vivos mesmo após a tentativa de domá-los quimicamente, e facilmente se identificam com os grande parte dos sintomas esperados pelo manual:
- Desânimo
- Diminuição de interesses e prazer
- Variações de peso e apetite
- Transtornos de sono
- Agitação ou lentidão motora e psíquica
- Fadiga / falta de energia
- Sentimento de desvalor/culpa
- Baixa concentração
- Pensamentos suicidas
Se para a prescrição medicamentosa, considera-se fundamental ater-se à lista de sintomas conforme versa o guia, para um tratamento psicanalítico eles têm muito pouca informação a contribuir. Isso porque, na psicanálise, sabe-se que a depressão é um estado agravado de defesa do Eu. Todos mecanismos psíquicos confluem para retirar o interesse que poderia ser destinado às coisas do mundo exterior, numa tentativa de preservar a integridade individual. Esse processo de introversão faz com que o depressivo tenha tanta atenção sobre si mesmo, que passa a notar com agudez todos seus defeitos e limitações. A perspicácia da autocrítica exige profundas reflexões, distinguindo os depressivos como pessoas de inteligência aguçada, o que levou S. Freud a questionar por que seria preciso alguém estar doente para ser capaz de emitir um juízo tão sóbrio sobre a mediocridade humana no mundo. Fazendo uso de tal economia depreciativa, é compreensível que seja muito custoso para o depressivo desempenhar suas obrigações ou desfrutar de um envolvimento amoroso.
Encontrar-se com o verdadeiro objeto das críticas e com a efetiva falta que inconscientemente sustentam as justificativas de tão desmedida depreciação acaba sendo um caminho necessário de ser trilhado para a maioria dos depressivos que venham a se colocar no lugar de analisantes.