Afinal, o que faz a diferença entre o Psicólogo, o Psicanalista e o Psiquiatra?
Uma dúvida extremamente comum envolve a diferenciação entre os profissionais que trabalham com o psíquico. Poucas pessoas têm certeza do que distingue os nomes psicanalista, psicólogo, psiquiatra ou psicoterapeuta; e por vezes ainda outros mais endossam a confusão.
Aparentemente, o psiquiatra é o profissional que as pessoas têm mais facilidade para diferenciar dos demais. A psiquiatria, sendo uma especialização da medicina, tenta delimitar os problemas do paciente a partir de uma perspectiva médica, orgânica, por isso, tem a prerrogativa de prescrever drogas para o tratamento dos sintomas. Acaba sendo mais raro, porém, alguns psiquiatras também oferecem psicoterapia, que é por regra, o trabalho que um psicólogo pode oferecer.
Atuar como um psicoterapeuta, acaba sendo uma descrição para uma prática comum ao psicólogo e ao psiquiatra. Será um psicoterapeuta, todo profissional que ofereça uma terapia que se baseie num entendimento sobre o funcionamento psicológico do paciente. Existe uma variedade enorme de psicologias que dão fundamento a esta prática. Muitas delas são derivadas da psicanálise, outras se aproximam da fisiologia, ou emergiram de propostas filosóficas, e variam muito em sua forma, mas todas conservam em comum um aspecto: toda psicologia possui uma maneira particular de descrever o que é o homem, (ou a mente, ou o sujeito psicológico, à seu gosto). Por isso, cada uma tem uma visão de mundo e de homem própria.
Quanto ao que é o psicanalista, ou simplesmente “analista”, poderíamos sintetizar sua descrição em um ponto básico do qual todos os outros são consequência: O psicanalista é o único clínico que trabalha considerando a presença e ação do Inconsciente. E alguém poderia se perguntar: “Mas como assim só a psicanálise aceita que o inconsciente existe se eu já ouvi psicólogos dizendo que fazemos coisas inconscientemente?”. Trata-se de que algumas psicologias podem considerar que as pessoas tenham pensamentos que não estão acessíveis à sua consciência, mas nenhuma se dedica a trabalhar estas questões ou as forças que fazem com que uma ideia permaneça inconsciente. O trabalho com essas forças, chamadas de recalque ou repressão, constitui o ofício do psicanalista.
Quando no fim do séc XIX Freud abandonou sua carreira de neurologista para inventar a psicanálise, a ocupação de psicólogo ainda não existia. Isso se manteve até meados dos anos 70, quando quase todos psicanalistas eram psiquiatras que optaram por mudar seus métodos, e os primeiros cursos de psicologia começaram a surgir em nosso país. Atualmente no Brasil, a maioria dos psicanalistas primeiro se graduou psicólogo em uma faculdade de psicologia para depois começar a estudar a psicanálise.
A seguir, temos um vídeo do psicanalista paulistano Jorge Forbes, falando um pouco sobre a diferença entre esses profissionais e apresentando uma opinião interessante sobre o trabalho do psicanalista:
Pode haver um psicanalista que é psicólogo ao mesmo tempo?
Tecnicamente, os trabalhos do psicanalista e do psicólogo são auto-excludentes, bem como de qualquer outro terapeuta em relação ao analista. Isso porque o psicanalista, precisa manter o inconsciente em questão, ao passo que o psicólogo precisa excluir o inconsciente de seu trabalho se quiser se comprometer com a integridade de sua psicologia. Um psicólogo precisa contar com o anteparo de uma teoria o quanto mais sólida possível, com uma lógica que seja consistente para explicar como funciona o indivíduo que propõe tratar. A questão é que o inconsciente não oferece uma lógica consistente, ao contrário, sua lógica só sustenta um sentido em cada sujeito, ela é para-consistente. Por isso, no lugar onde se busca ser ao mesmo tempo psicólogo e psicanalista, a rigor, temos exclusivamente um psicólogo.
A psicologia pode se dar ao privilégio de explicar como funcionam não só as pessoas, mas também as sociedades, os grupos, o mundo, e ainda serem coerentes com sua proposta, ao passo que todo psicanalista que se aventura nesse caminho tentador, facilmente acaba por merecer as críticas de seus colegas de profissão. "Mas e quanto ao famoso inconsciente coletivo, que é uma ideia de um psicanalista famoso, Carl Jung?" O trabalho de Jung é uma ilustração perfeita para ressaltar essa diferença. Jung foi o mais conhecido aluno de Freud a romper com a psicanálise. Quando decidiu que era preciso explicar os fenômenos coletivos, e outros tantos caminhos mais nos quais o trabalho psicanalítico nunca iria se enveredar, precisou abandonar sua carreira como psicanalista e iniciar a elaboração de uma psicologia. Foi por seu início de carreira como psicanalista, que sua teoria ficou erroneamente conhecida pela alcunha popular de "psicanálise junguiana", quando na verdade é mais uma psicologia com um longo sistema teórico que a embasa, saberes sobre a personalidade, etc.
Além de poder falar sobre coletivos, a psicologia também pode existir fora do consultório, mais uma qualidade que a difere da psicanálise. Um psicólogo pode perfeitamente aprender através de livros, desenvolver uma psicologia coerente que explique a vida psicológica das pessoas, e ainda assim ser psicólogo, mesmo que nunca tenha praticado ou se submetido a uma psicoterapia. Existem psicólogos organizacionais que lidam com maneiras de tornar uma empresa mais eficiente segundo aquilo que sua psicologia tem a dizer sobre as interações entre os funcionários; psicólogos ambientais que têm teorias que justificam por que as pessoas gostam mais de determinado tipo de ambiente; psicólogos que trabalham com marketing e explicam por que consumidores compram mais um produto com determinada cor ou desenho. Em suma, um psicólogo é alguém que tem um conhecimento sobre como o psicológico funciona, e não precisa necessariamente da experiência de trabalho num consultório. Um psicanalista, por outro lado só tem algum sentido através de seu trabalho clínico, e também não lhe basta o estudo sobre sua área, pois a única maneira que tem para aprender seu ofício é submetendo-se à sua própria análise com outro analista. Os usos de psicanálise aplicada são dificilmente justificados, e é por isso que dicas de saúde, livros de auto-ajuda, ou conselhos sobre comportamento ficam à cargo dos psicólogos.
Da mesma maneira que um psicólogo precisa se afastar do inconsciente e suas incoerências para poder fazer uso de uma teoria psicológica, um psicanalista precisa se negar a fazer qualquer psicologia sobre seu paciente, uma vez que aplicar um conhecimento teórico sobre o que o paciente diz, é o próprio esforço de extinguir a fala inconsciente.
Por essa disparidade de intenção que a psicanálise mantém com as teorias da psicologia, é que vemos como a expressão "Freud explica" não coincide muito com a verdade. Freud explica muito poucas coisas, talvez apenas aquelas das quais não conseguiu se esquivar em sua busca de uma forma de fazer aparecer o inconsciente. No teatro de Molière, há uma expressão de suma importância para o trabalho do analista: que um psicanalista não tem por que explicar para os pais da menina o porquê ela não fala. O único valor possível de seu trabalho é o de fazê-la falar.
Qual é o melhor profissional para meu problema, um psicanalista ou um psicólogo?
Um erro muito comumente sustentado, e até mesmo por profissionais com formação apressada, é o de pensar que estes diferentes trabalhos no final das contas falam a mesma coisa, mas de maneiras diferentes, que são abordagens ou perspectivas distintas sobre um mesmo objeto, o ser humano, e que no final do percurso apontam para um mesmo resultado esperado. Mas tal generalização, aparentemente conciliadora e ampla, na verdade é avessa à produção de resultados em qualquer trabalho.
A diferença tampouco está no tipo de problema que o paciente leva ao consultório, que geralmente se mostra com a crença de que para um problema de Défcit de atenção, determinado profissional seria melhor, e para ataques de pânico, outro.
Outra ideia muito difundida é a de que "Se você quer tratar uma coisa mais pontual, é melhor ir ao psicólogo, mas se você busca ir tratar do problema mais à fundo, é melhor um psicanalista".
Nenhuma dessas questões chega a ser muito sensata postas dessa maneira, pois na verdade, estes profissionais tratam de coisas completamente diferentes. Frequentemente os psicólogos argumentam que um paciente não pode se tratar apenas com drogas psiquiátricas, sem fazer psicoterapia, pois os problemas de seu dia-a-dia não irão desaparecer com o uso de uma droga que o deixe insensível ao que acontece a seu redor. Só isso já serviria para dizer que os dois profissionais não trabalham com o mesmo objeto. De outro lado, um psicanalista tampouco aconselha sobre o que fazer com os problemas que o paciente tem consciência a seu respeito, pois o tratamento psicanalítico nunca se dá sobre aquilo que o paciente já sabe, mas sim sobre uma face inconsciente que se esconde na impossibilidade de resolver seus problemas.
Da mesma maneira que o psicanalista nunca chega a oferecer quais serão as melhores opções a serem tomadas frente a determinado impasse, um psicólogo nunca chega a tocar em alguma questão inconsciente, que permanece protegida pela resistência.
Talvez essa seja uma dificuldade cruel para qualquer um, uma vez que são raros os casos em que um desses profissionais acaba recomendando a consulta a outro, o que faz com que o paciente precise ter ideia do que busca tratar. Ainda que isso possa consumir tempo, grande parte dos pacientes que chegam a um consultório de psicanálise tentaram outros tratamentos alternativos anteriormente. Realmente, a única informação que pode simplificar em algo esta escolha sem tendenciosidades baratas, é a de que analistas e psicólogos definitivamente não se ocupam do tratamento dos mesmos problemas.